"Então, sem nada disfarçar, declarei tudo que me tinha levado a esse crime. Disseram-me para pôr todas essas coisas por escrito, e eu o fiz; agora que dei a conhecer toda a minha monstruosidade, e que foram dadas todas as explicações do meu crime, eu aguardo o destino que me é reservado, conheço o artigo do Código Penal referente ao parricídio, aceito-o para expiação das minhas culpas; ai de mim, se ainda pudesse ver reviver as infelizes vítimas de minha crueldade, se para isto fosse apenas necessário suportar todos os suplícios possíveis; mas não, é inútil, só posso segui-las. Desta forma, aguardo a pena que mereço e o dia que deve pôr fim a todos os meus remorsos."
não conhecia estes a música portuguesa a gostar dela própria mas agora conheço e tem de tudo e porque não? http://amusicaportuguesaagostardelapropria.org/ será que alguém já falou deles aqui e porque não? não sei, espero que sim. http://amusicaportuguesaagostardelapropria.org/ um pouco blogotheque ou lá como se chama aquilo mas é português e porque não? http://amusicaportuguesaagostardelapropria.org/ tem rock e fado e cantos de almeirim e porqu
Pela segunda vez deixo de escrever neste blog. A primeira vez que isso aconteceu foi por decisão própria. Agora também, mas indirectamente fui convidado a deixar de escrever os meus posts, que a direcção considera inúteis ou o que seja.
Eventualmente os leitores do blog também os consideram inúteis e eventualmente eu devia ir fazer um estágio na Blitz para aprender a escrever sobre música pop.
"Se, de modo bastante geral, supusermos que a força motivadora de todas as atividades humanas é um esforço desenvolvido no sentido de duas metas confluentes, a de utilidade e a de obtenção de prazer, teremos de supor que isso também é verdadeiro quanto às manifestações da civilização que acabamos de examinar, embora só seja facilmente visível nas atividades científicas e estéticas. Não se pode, porém, duvidar de que as outras atividades também correspondem a fortes necessidades dos homens – talvez a necessidades que só se achem desenvolvidas numa minoria. Tão-pouco devemos permitir sermos desorientados por juízos de valor referentes a qualquer religião, qualquer sistema filosófico ou qualquer ideal. Quer pensemos encontrar neles as mais altas realizações do espírito humano, quer os deploremos como aberrações, não podemos deixar de reconhecer que onde eles se acham presentes, e, em especial, onde eles são dominantes, está implícito um alto nível de civilização." (...)
“Pseudómenos. –O poder magnético que as ideologias exercem sobre os homens, mesmo quando já dão sinais de estarem rotas, explica-se, para além da psicologia, pela decadência objectivamente determinada da evidência lógica enquanto tal. As coisas chegaram ao ponto em que a mentira soa como verdade e a verdade como mentira. Cada declaração, cada notícia, cada pensamento está pré-formado pelos centros da indústria cultural. O que não traz a marca familiar dessa preformação está, de antemão, destituído de credibilidade, tanto mais que as instituições de opinião pública fazem acompanhar aquilo que divulgam de milhares de comprovações factuais e de toda plausibilidade, de que se pode apoderar o poder de disposição total. A verdade que tenta opor-se a isso não só porta o carácter inverosímil como é, além disso, pobre demais para entrar em concorrência com o aparato de divulgação altamente concentrado. O caso extremo da Alemanha é instrutivo a respeito dessa mecanismo como um todo. Quando os nacionais-socialistas começaram a torturar, não apenas aterrorizaram com isto as populações no interior do país e no exterior, mas ao mesmo tempo ficavam tão mais seguros de não serem descobertos quando mais selvagem era o aumento do horror. A incredibilidade deste último tornava fácil descrer daquilo que, por amor à santa paz, não se queria acreditar, no mesmo momento em que já se capitulava diante dele." (...)
"e depois lembrei-me de estar hoje no videoclip numa escola secundária e enquanto estava a filmar, uma carrada de alunos atrás de mim à volta da câmara e uma delas - aluna - estava bem junta, a sua mama tocava nas minhas costas e eu sabia-o e então chego atrás as costas e ela sabe-o e chega à frente o peito e assim aguentamos três, quatro respirações, não mais, e a meio de um plano tenho um princípio de tesão."
"Já não tenho muito mais para contar. No dia trinta de Junho ou Julho nunca sei, confundo sempre os dois, nesse dia encontrei um tesouro ou o tesouro, digamos que o encontrei – a coisa mais refulgente que os meus olhos castanhos já reflectiram. Era cor de prata e ouro e platina e diamante tudo ao mesmo tempo era luzidio e chiava timidamente com o vento a passar, como se este trouxesse aos ouvidos do mundo um pouco da fortuna anunciada. Quando o vi percebi que só o destino poderia arranjar estas coisas, senti uma calma tremenda e apenas rezava para que o tempo estancasse ou se eternizasse, não sei, eu que nunca rezei na vida eu que matei sem piedade nem desconforto eu que disse tantas vezes que ia só ali comprar tabaco e nunca mais voltei e eu deixei partes de mim para trás somente para não ter que regressar. Nesse instante em que o vi, o tesouro, dei-me conta de quão harmoniosa poderia ser a vida, lembro-me do silêncio das coisas e da brisa a arrastar consigo as pedrinhas e poeiras e lembro-me do sol estancado/congelado/furado a fazer-se sentir tanto como o chão debaixo de mim: estava lá. De repente ele disparou e eu como que, não vão acreditar nisto mas é verdade, como que vi a bala a chegar-se a mim em câmara lenta, isto apesar dela vir detrás. Acertou-me na carne das costas, o músculo engoliu-a e eu nem dor senti, notei apenas uma sensação de fresco de universo, antes de cair recebi muito obrigado outra bala na nuca. Depois os meus joelhos cederam e ainda hoje me recordo como ontem, o som da areia vermelha a voar pedrinha contra pedrinha, levantadas pelo bafo que soltei mal a minha face embateu no solo, um vruuu pequenino devagarinho de letras minúsculas, inaudível para quem tem quotidianos em que pensar, o que certamente não era a minha situação. Lembrei-me de como ela gostava de vir para o lado da cama onde eu tinha dormido mal me levantava todas as manhãs para ir à casa-de-banho. A minha vista ainda funcionou por dois segundos mais e foi durante esses dois gigantes segundos que me dei conta pela primeira vez em quarenta e dois anos de vida que cada grão de areia de todos os areais deste mundo é ímpar e insubstituível e que nunca se descobrirão dois iguais.
Não que eu tenha vivido a minha vida no limite só para chegar a esta conclusão mas"
Estou a cozer caranguejos vivos, oiço-os a espernearem-se dentro da panela.
“tenho que pôr música para não me sentir um selvagem”, penso.
ligo o ipod – sim, sou rico – e o destino ou a mão leva-me a um dos álbuns que mais tenho ouvido nos últimos dois anos. leva folk leva blues leva rock quase que leva jazz é antigo é contemporâneo é avant-garde é psicadélico é alegre e triste e doente e é o primeiro a solo.
lembram-se do roy? que vivia comigo e que espancava a namorada e que me apresentou ao warren zevon? foi a 87 concertos de grateful dead e conhece quem tenha ido a 200. era como uma espécie de modo de vida lá pela terra dos hamburgueres nos anos 70, 80, 90. um dia pus este álbum a tocar e ele saiu disparado da casa de banho, espero que com o assunto terminado. abraçou-me e começou a cantar
Since it costs a lot to win, and even more to lose,
You and me bound to spend some time wond'rin' what to choose.
Goes to show, you don't ever know,
Watch each card you play and play it slow,
Wait until that deal come round,
Don't you let that deal go down, no, no.
e então no dia em que me disse
“never trust’em ico, never trust a single woman in this goddamn world”
e se foi embora com o balde dos pickles debaixo do braço, eu pus no ar esta música e ele novamente se riu e novamente me abraçou e novamente cantou.
conclusão:
até com pessoas asquerosas é possível criar uma ligação
-O pimento está a 5 cada e as cenoura é 10 por três.
-Por três? Mas são pequenas essas cenouras...
-Está caro, patrão, a cenoura está cara...
-Pronto, pode ser. Arranje lá umas rijinhas então...
-Claro... Aqui está.
-Obrigado, mamã.
-Cebola, batata, aboborinha, piri-piri?
-Não obrigado, por hoje é tudo...
-Obrigado papá. Amanhã compra cebola?
-Sim sim...
E saiu do mercado. O sol estaria quente de certeza, não fossem as nuvens a conferir um ambiente pesado àquela tarde. Desde manhã que a sombra dela pairava na sua cabeça como um casaco demasiado apertado, colarinho e capuz. A caminho de casa, num banco de rua uma criança chorava de mão dada ao irmão. Ao lado um alguidar com o lixo que teriam apanhado nas últimas horas. Merda, pensou. Não mais que isso. Ao chegar a casa já não se lembrava da sua manhã, nem das sombras, nem dela. “Não se pode estar deprimido quando há outras pessoas ainda mais emaranhadas nos azuis que eu.”
Não te quero ver mais, és feia e és doente e guardas a escova de dentes
no quarto.
Não cheiras mal mas apetecia-me dizer que
cheiras mal.
Quando te sentes mal
dizes “Estou doentxinha”
num sorriso demencial.
É espanhola mas aprendeu português no Brasil,
Toma antidepressivos e gritou histérica comigo quando
lhe disse que não
não podia levar a cama da casa que deixara
de pagar.
Dizia que a cama já tinha a forma dela
e achou-me um ditador satânico por não deixá-la
levar a cama.
Adeus.
O meu melhor amigo nesta cidade
apaixonou-se por ela
apesar dela ser louca e guardar a escova de dentes
no quarto
e não usar o bengaleiro
nem deixar os sapatos na despensa
nem a toalha na casa de banho
nem nunca ter deixado uma mola de cabelo ou umas chaves
na mesa da sala,
apaixonou-se apesar de ter namorada e apesar do único contacto que quer ter com ela é em forma de festinhas no braço, barriga no máximo e gosta da tipa apesar dela nunca ter dito uma frase de jeito
em três meses de convivência.
Tenho uma empregada chamada Nafta
que anda no 6º ano da escola e com quem tenho conversas mais interessantes
do que com ela
e então deixei de ter o meu amigo
porque ao zangar-me com ela zanguei-me com
ele. E já não o tenho.
Ao invés tenho uma casa com três quartos,
uma liquidificadora uma tostadeira uma panela de teflan um wok e uma faca de cozinha
Ele abriu-se-me com olhos de fundo de cerveja
- never trust’em ico, never trust a single woman in this goddamn world
Na noite anterior, tinha acordado duas vezes com gritos e supostos objectos esvoaçantes, resultado, uma cadeira partida e sangue no chão, sangue na porta, nas paredes.
- never, ico
Eu não estava do lado dele, não estava do lado dela, não estou. Daqui a uns dias vou mudar-me de casa e eles que corrijam a eles próprios ou não, que me interessa a mim?
Ele pôs o seu balde de um galão de pickles debaixo do braço que tinha trazido da suposta “best sandwich joint in this goddamn world”, não eram bem pickles, era um composto avinagrado que é suposto tornar qualquer sandes medíocre numa sandes do caralho, era assim mesmo. Dizia, pôs uma mochila às costas e o seu balde de pickles debaixo do braço e abriu a porta. Olhou para a frente, respirou uma duas três vezes, é como quem diz. Depois deu meia volta e diz-me, estás a ver esse cd aí, sim, é teu.
Bem... não foi bem assim. Mas foi parecido
- always share the music, ico, always share the music.
Não conhecia este tipo chamado Warren Zevon mas gostei e agradeci-lhe por e-mail no dia seguinte. Ele respondeu-me
- Thanks for your kind words. I hope that our paths will cross again
some day. Enjoy Warren - he is a true story teller who tells the
truth. One of my favorites... peace and love. roy
Uma hora depois destas palavras, o mesmo Roy partia o vidro do carro da minha companheira de casa e presumo que definitivamente não volte a meter cá os pés. Eles namoraram durante dois anos.