01 dezembro 2010

Duas mesas e eu na terceira: antes ter ficado em pecan city

Desperado by Johnny Cash on Grooveshark

"Já não tenho muito mais para contar. No dia trinta de Junho ou Julho nunca sei, confundo sempre os dois, nesse dia encontrei um tesouro ou o tesouro, digamos que o encontrei – a coisa mais refulgente que os meus olhos castanhos já reflectiram. Era cor de prata e ouro e platina e diamante tudo ao mesmo tempo era luzidio e chiava timidamente com o vento a passar, como se este trouxesse aos ouvidos do mundo um pouco da fortuna anunciada. Quando o vi percebi que só o destino poderia arranjar estas coisas, senti uma calma tremenda e apenas rezava para que o tempo estancasse ou se eternizasse, não sei, eu que nunca rezei na vida eu que matei sem piedade nem desconforto eu que disse tantas vezes que ia só ali comprar tabaco e nunca mais voltei e eu deixei partes de mim para trás somente para não ter que regressar. Nesse instante em que o vi, o tesouro, dei-me conta de quão harmoniosa poderia ser a vida, lembro-me do silêncio das coisas e da brisa a arrastar consigo as pedrinhas e poeiras e lembro-me do sol estancado/congelado/furado a fazer-se sentir tanto como o chão debaixo de mim: estava lá. De repente ele disparou e eu como que, não vão acreditar nisto mas é verdade, como que vi a bala a chegar-se a mim em câmara lenta, isto apesar dela vir detrás. Acertou-me na carne das costas, o músculo engoliu-a e eu nem dor senti, notei apenas uma sensação de fresco de universo, antes de cair recebi muito obrigado outra bala na nuca. Depois os meus joelhos cederam e ainda hoje me recordo como ontem, o som da areia vermelha a voar pedrinha contra pedrinha, levantadas pelo bafo que soltei mal a minha face embateu no solo, um vruuu pequenino devagarinho de letras minúsculas, inaudível para quem tem quotidianos em que pensar, o que certamente não era a minha situação. Lembrei-me de como ela gostava de vir para o lado da cama onde eu tinha dormido mal me levantava todas as manhãs para ir à casa-de-banho. A minha vista ainda funcionou por dois segundos mais e foi durante esses dois gigantes segundos que me dei conta pela primeira vez em quarenta e dois anos de vida que cada grão de areia de todos os areais deste mundo é ímpar e insubstituível e que nunca se descobrirão dois iguais.
Não que eu tenha vivido a minha vida no limite só para chegar a esta conclusão mas"


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