24 novembro 2009

NE CHANGE RIEN ou éramos apenas sete pessoas na sala e quatro de nós usávamos barba



Talvez fizesse ontem um ano desde a última vez que me teria emocionado tanto numa sala de cinema que não a cinemateca, talvez dois anos, três, juro que não sei, talvez a minha memória ande fraca. Agora as contas voltaram a zero, Ne Change Rien de Pedro Costa é sem dúvida um dos melhores filmes da década. É também sem dúvida um dos melhores filmes de/sobre música alguma vez feitos e tirem-me o teclado das mãos ou ainda acabo a dizer que é o melhor filme português de sempre e depois o João César Monteiro que se revolte e revolva na sua campa.

Falo de um filme num blog sobre tendências auditivas porque como já insinuei, este é um filme sobre música, sobre música (forma de expressão artística) e sobre uma música em concreto (a artista). Chamá-lo de documentário seria sugestionar que uma câmara esteve lá para simplesmente documentar, alheando-se assim da reflexão sobre o próprio cinema que Pedro Costa insiste em imprimir filme após filme. Seria também olhar para ele sem levar em conta a prodigiosa mise-en-scène por ele imposta, sem que no entanto se sinta a câmara de uma forma invasiva. Costa dá-nos a conhecer uma mulher total, sem precisar de a filmar fora da sua concentração na música e das poucas vezes que nos mostra o lado quotidiano da pessoa, fá-lo sempre em off ou pelo menos na escuridão. Conhecemos Jeanne Balibar, actriz francesa que eu desconhecia, através das suas pausas, dos seus bocejos, dos seus olhares para fora de campo, da sua luta para conseguir ser música, ser cantora. E esse seu lado lutador e crente é-nos mostrado da forma mais humilde possível: pelo trabalho. Essencialmente este é um filme sobre o trabalho. Trabalho, aprendizagem, paciência. Exasperação. A repetição como método único para a evolução, provando que o artista não o é enquanto não treinar para sê-lo.

Não sou o cinéfilo mais aplicado mas tendo em conta apenas o que já vi, é-me fácil afirmar que antes deste filme apenas um realizador tinha conseguido uma abordagem séria em relação ao processo criativo da música. Esse realizador é Jean-Luc Godard, que em 1968 realizou o magnífico One Plus One (a.k.a. Sympathy for the Devil), onde em planos-sequência intercalados com uma satírica abordagem aos temas das libertações feminina, da classe negra e da classe operária – chamemos-lhe a contracultura – nos mostrava os Rolling Stones a construírem aos poucos a música Sympathy for the Devil pelo mesmo processo da repetição, da insistência, do trabalho. Desde então os filmes sobre música têm sido pouco mais do que filmes-concerto, o que não é necessariamente mau se a intenção for apenas a música e não o cinema, não as pessoas, não a vida.

Em Portugal o filme apenas está a ser exibido numa sala, em Lisboa, no El Corte Inglés. Todos se queixam do cinema português, que não há qualidade no cinema português. Mas depois existe o Pedro Costa que faz este filme belíssimo e que apesar das excelentes críticas de que tem sido alvo desde a sua estreia em Cannes, se arrisca a ficar para sempre na prateleira do esquecimento pois dificilmente o aguentarão por mais de duas semanas em exibição num centro comercial. Mas há pouco mais de um ano o Miguel Gomes fez um excelente filme chamado Aquele Querido Mês de Agosto, o João Canijo realizou o igualmente bom Mal Nascida e o João Salaviza trouxe a primeira Palma de Ouro de Cannes para Portugal. E ainda assim não se aposta no cinema português e a euforia da crítica será obrigada a votar-se ao silêncio no momento em que o filme já não estiver em exibição. Se ao menos o Pedro Costa filmasse as mamas da Soraia Chaves, talvez aí fôssemos mais de sete pessoas na sala (com ou sem barbas, não interessa).

PS. A questão é saber quantas destas pessoas supostamente interessadas em música têm curiosidade de ir ver o filme e com ele reflectir sobre o que é essa coisa do processo criativo.

19 comentários:

Alex disse...

Não consigo perceber bem quem é o "alvo" das tuas críticas, se os autores do blogue, se os responsáveis pela distribuição dos filmes em Portugal, se o público português em geral, se os barbudos que vão ao cinema, se os não barbudos que vão ao cinema, se o Corte inglês. Parece-me que é um pouco de tudo à mistura. Pois bem, vou tentar dar-te o meu ponto de vista, como um dos contribuidores do blogue.

Sim interesso-me pelos filmes sobre música. E sim interesso-me pelos filmes do Pedro Costa. Mesmo que ele não fizesse este filme sobre música, interessar-me-ia por ele. Agora importa realçar que o blog é mesmo sobre música, e não sobre Cinema. E o teu post fala mais sobre Cinema do que sobre música, aproveitando do facto de este filme do Pedro Costa ser sobre música. És um aproveitador, portanto. Mas se um dia destes quiseres fazer um blog sobre Cinema, terei todo o prazer te contribuir e ajudar.

Adiciono algumas reflexões extra da minha parte:
- o que interessa que na sala de cinema sejam só 7? Eu prefiro salas com pouca gente, vê-se os filmes de uma forma mais tranquila.
- o Paulo Branco defende tanto o cinema português e não colocou o Pedro Costa numa das suas salas, o que se passou?
- Já todos sabemos que o que vende são as mamas da Soraia, mas o que interessa o que vende? Vamos nós mudar o mundo? Libertar uns quantos d'A Caverna? O tempo é tão precioso...

Enjoy!

Vasco disse...

Este divórcio do público com o cinema português é fácil de explicar: Falta um meio termo.
Faltam cineastas como o Scorsese, Coen Bros, Woody Allen, Kubrick, Bergman, Almodovar, Pt Anderson, Godard, Hitchcock ou John Ford que, ao contrário do que acontece em Portugal, foram capazes de criar obras com substância e que chegassem ao grande público.
Em Portugal o cinema está muito divido: Por um lado os art house filmmakers como Costa e Oliveira e do outro o cinema acéfalo das mamas e tiros.
Em relação ao Pedro Costa, é um cineasta que admiro pela coragem, tempo e paixão que entrega, mas não o considero um iluminado.
Andy Warhol, Godard, Bresson foram cineastas que exploraram a mesma linguagem com resultados francamente superiores.

ico costa disse...

Ó alex 1) felizmente não preciso do teu consentimento para escrever um post sobre o que bem me entender desde que considere relevante de acordo com a temática do blog 2) não percebo também porque é que achas que falar de um filme sobre música ou até da música de um filme não se insere na temática deste blog (já agora será que não posso também um dia falar da banda sonora de um filme ou falar de um livro sobre musicologia quando me apetecer?) e 3) na verdade eu considero saudável variar para lá das análises à-la-blitz que por aqui se fazem mas 4) “o meu post fala mais sobre cinema do que música” é um apontamento absurdo visto que o meu objecto de análise foi um filme logo que querias 5) não consigo perceber onde viste tu que um dos meus alvos eram os contribuidores do blog 6) 7 pessoas apenas a verem este filme extraordinário é um escândalo ponto final 7) o Paulo Branco não passa o filme dele porque provavelmente se chatearam e o senhor seboso ficou a dever-lhe dinheiro para comprar mais cavalos 8) anunciei o filme aqui porque presumo que pessoas que gostem de música irão gostar de ver um filme que trata do processo e 9) já participo num blog sobre cinema e um grande obrigado por te disponibilizares em ajudar-me e 10) Vasco cala-te pá, somos um país pequenino e um João César Monteiro num país de 10 milhões é muito mais extraordinário do que um Kubrick num país de 360.

Alex disse...

Consentimento, nem meu, nem de ninguém, e acho bem que assim seja, liberdade total para falar de música e de filmes sobre música, e de música nos filmes, totalmente de acordo! Nem eu disse que não se devia falar, acho muito bem que se fale! Ou que se escreva, no caso.

A meu ver, e acrescento, é a minha opinião, e também sou livre de a emitir, acabas é por aproveitar também o post para falar de temas que, apesar de me interessarem bastante (como a questão da distribuição dos filmes, dos comportamentos do público português, do João César Monteiro) não são enquadráveis na temática do blog, e penso que isso e especialmente a última frase do teu post te faz perder a razão, na medida em que demonstra ao que vens - espicaçar as "pessoas supostamente interessadas em músicas", como que só as que forem ver o filme é que se interessam por música. Coisa que não acho ser verdade. And that's it.

Alex disse...

E 7 pessoas verem o filme é um escândalo para quem? Para os que estão a ver o filme? Para quem não o viu? Para o realizador? Eu diria que é triste, isso sim, escãndalos é para as revistas cor de rosa...

Vasco disse...

1- Cesar Monteiro "o provocador" é mais interessante que o Cesar Monteiro "o cineasta".O cinema dele não me diz nada.

2- Cinema verité existe desde os anos 60.

3- Pedro Costa só nos ensinou sobre o processo criativo da Balibar. Cada artista tem o seu metodo. Aprendes sobre "criar", criando.

4- O único cineasta que admiro no meu pais é o Bunuel. Sim, eu sou espanhol.

5- "Alice" e "Entre os Dedos" foram os únicos filmes portugueses em que não adormeci.

6- Cinema português não existe.

7- Cassavetes (melhor cineasta de sempre) não precisou de documentar para filmar a realidade.Tinha plot e guião.

Um abraço ico. Quero muito ver a tua curta-metragem. Quando sai?

Rapariga Morena disse...

Está animado isto :D

E ao ler todos os vossos comentários tb gostaria de deixar o meu (n q seja relevante..mas apenas pq sim :)

E pegando nos últimos do Vasco, o facto de o "Alice" e o "Entre Dedos" terem sido os únicos filmes portugueses em que não adormeceste... pouco ou nada tem a haver com a "qualidade" do filme são factores intrínsecos à tua pessoa... podias estar com sono ou num dia mau :) Já eu, adormeci no "Alice"...

dizer que cinema português não existe...resolve-se com ver mais coisas...

E relativamente à "humilhação" sofrida pelos realizadores..Relembro a mítica frase do saudoso JCM "quero que o público português se F***"
Obviamente estes cineastas não fazem cinema para massas..

E não acredito num PC "humilhado"..

Um bem haja a todos

keep the good work :D

Vasco disse...

Alex...
Nada mais humilhante para um realizador do que ter uma sala vazia.
Cinema é paras as pessoas, não é masturbação.
Quando os lumiere criaram esta maravilha era para levar mais gente às feiras.
Oh ico, mas já puseste a hipótese de Pedro Costa interessar mais a um estudante de Cinema do que ao público "normal" de Cinema habituada a plots convencionais?
Um abraço.

ico costa disse...

Rapariga, claro que o teu comentário é relevante. E perspicaz.
Vasco, ver-te a escrever é um deleite para a psicanálise.

Interessante, hein? Modéstia à parte, aqui se revelou um texto que levanta questões, suscita dúvidas e revela opiniões contraditórias (não obstante a estapafurdice), interessante ver pessoas a reflectir sobre os temas - que podem não ser enquadráveis para o sr. alex mas que para mim são bem mais atraentes que as análises irrelevantes do albúm do Ringo Star de 1979.
Mas continuemos!, que estas discussões tudo têm de saudável.

Vasco disse...

Outra coisa, Fellini, Bergman e Godard sempre foram sucesso de bilheteira.
São Cinema de massas? Isso do cinema de massas é um conceito errado.

Vasco disse...

Digno de psicanalise é querer que pedro costa encha salas da lusomundo e tentar impingir cinema às pessoas.
As preocupações do teu post foram inúteis.
O teu mal é ter ido para a escola de cinema. Tempo inútil. Ve isto para perceberes:

http://www.youtube.com/watch?v=V89yFMHXynk

frederico disse...

Vasco,
1) se não gostas de cinema português,
2) se apenas viste dois filmes portugueses na vida em que não tenhas adormecido,
3) se achas que o cinema é para ser visto nas feiras como nos primórdios mas ao mesmo tempo dizes mal do cinema de massas,
4) se tens a ideia (errada) de que o cassavetes era um sucesso de bilheteira no seu tempo,
5) se dizes que o cineasta português mais conceituado de sempre (ou um dos mais conceituados) tem a mesma importância para a cultura portuguesa que o mendigo tarado que todos os dias te mostra a pila à porta de tua casa,
Então a pergunta é........... Por que raio é que queres fazer cinema em Portugal?

Vasco disse...

1 - Já vi dezenas de filmes portugueses. Tal como acontece depois de uma noite de copos, interrogo-me: Porque fui fazer isto...

2- Cassavetes sempre teve sucesso especialemnte fora dos Estados Unidos. Como achas que a paramount lhe dava guita? Nos estados unidos não há ICAM para nos chular...

3- No filme vai e Vem, Cesar Monteiro urina literalmente para a câmara.Queres pior exibicionismo que um velho exibir o seu pénis? Aposto que o raul gosta mas eu não.

4- Existe uma esperança no novo cinema português.Tiago Serra e Marco martins são realizadores que admiro como o arena do garoto salaviza.

5- Odeio que me digam o que devo ver e o que é bom mesmo que seja o ico (um garoto porreiro)

bem haja

Alex disse...

O senhor, como todos sabemos, está lá em cima a tomar conta desta merda. Favor não confundir.

E agora parece-me que será óbvio para todos que esta discussão, por muito interesante e salutar que seja, não tem nada, mas mesmo nada a ver com música.

ico costa disse...

Alex: A questão aqui é: se não percebes a relevância da conversa, abstém-te simplesmente.
Vasco: eu não estou a dizer o que tu deves ver ou fazer. Mas tal como posso sugerir deixes de cumprimentar o teu vizinho-tarado-que-te-mostra-o-pénis porque qualquer dia ele ataca-te e tal como todos aqui sugerem álbuns para os outros ouvirem, eu também sugeri um filme. Mas se não quiseres ver, não vejas. Apenas te digo que perdes um grande filme. Mas quero lá eu saber...

Vasco disse...

"Quando entrei pra escola de cinema, já sabia que não queria mais tocar. Eram os filmes que eu gostava. E com um colega decidimos entrar pra escola. E a primeira coisa que fiz foi escrever coisas, ridículas : “ao melhor Tarkovksi, oponho o pior Ozu”. É o que ta escrito lá. Eu ainda sou contra o Tarkovski, pobre diabo, não tem culpa nenhuma da nossa estupidez, mas é um cineasta que não é, digamos, da minha família. O Tarkovski para nós era igual ao que não suportávamos na música, grupos que não morreram, que eram o Genesis, o Yes, o Pink Floyd. O Tarkovski era esse tipo de coisa" - Pedro Costa

Pedro Costa, o cineasta das fontainhas, a julgar pink floyd e tarkovski...

Vasco disse...

Do pedro costa só vi o sangue e adorei. A partir do momento que ele ofendeu david Lynch na tsf, ignorei o cineasta das fontainhas...

Alex disse...

ico: acho q não deves ter lido bem o que eu disse, portanto volto a repetir "esta discussão, por muito interesante e salutar que seja, não tem nada, mas mesmo nada a ver com música."
E saliento outro ponto que me parece revelador da tua postura: "...texto que levanta questões, suscita dúvidas e revela opiniões contraditórias (não obstante a estapafurdice), interessante ver pessoas a reflectir sobre os temas - que podem não ser enquadráveis para o sr. alex mas que para mim são bem mais atraentes que as análises irrelevantes do albúm do Ringo Star de 1979."

Alex disse...

(continuação comment anterior) Portanto este é um blog de música de vários contribuidores, mas a partir de agora, como me parece ser tua vontade, poderemos passar a falar apenas dos temas que sejam atraentes para ti.