30 abril 2010

Sonic Youth - Coliseu - 22.04.2010

A minha preparação para o tão aguardado concerto dos Sonic Youth foi a seguinte: injectaram-me lidocaína no abdómen como quem fura um bolo com um palito para ver se está "pronto" (gani que nem um cão), taparam-mo com um paninho verde garrido, lancetaram-me horizontalmente mesmo abaixo das costelas direitas e espremeram durante 5 minutos o tumor aí alojado, durante os quais apenas pude visualizar os esgares contorcidos do dermatologista (estaria de picha a pingar, acabadinho de comer a avantajada recepcionista de gengivas fumegantes?, pensei). Coseram-me as feridas (dois pontinhos de nylon), taparam-nas com um penso e cobraram-me 240 euros.
Bem melhor foram os caracóis (e coletas) na tasca dos Restauradores, em molho quase perfeito, devidamente acebolado, e com bichos escorregadios, não muito idosos. A fragrância de mofo foi aceite por todos como fazendo parte do preparado. Um empregado atrapalhado que perdeu a conta às imperiais. Uma discussão que opôs o capitalismo ao socialismo. Fulanos de barba e poucas gajas. Em resumo, Lisboa.

Entrou-se no recinto e atentou-se a uma banda portuguesa com boas intenções mas poucas ideias. Certifiquei-me de que o penso estava no sítio. Pausa. Lee Ranaldo chega ao palco. O público anima-se, alguns de nós tinham acabado de o ver ali tão perto na ZDB, com o prolífico Rafael Toral a martelar um bongo com os cuidados de um cirurgião de varizes, de resto, só lhe faltaram umas lupas de dentista para que tivéssemos todos a certeza da precisão milimétrica das pancadas (e garanto-vos que sem isso a coisa ficou um pouco nheh), e parecia tudo tão informal, como deve ser.
Depois os outros chegaram ao palco e, à semelhança do concerto de 2005, descarregaram ali o álbum mais recente, neste caso The Eternal, de uma maneira que diria limpinha. Canções com princípio meio e fim. Em duas delas introduziram um pouco da sua divagação sónica esperada pelos fãs. Mas algo ali começou a soar-me errado. Pelo meio meteram um Schizophrenia, que apenas aumentou a minha desconfiança em relação às outras músicas, por acção do contraste. Ao fim de pouco tempo, saíram do palco. Lembrei-me novamente do outro concerto, e da grandeza das composições do Murray Street. Esse álbum pode ser tocado em repeat durante um ano que não cansa quase ninguém e ao vivo tem algo de épico.
Mas não me mal-entendam: o The Eternal é um grande álbum pop/rock que dá, na minha opinião, dez a zero a quase tudo o que se mete aqui neste blog. Ouvi-lo pela primeira vez é como abrir a janela do quarto da minha avó. Segue o percurso mais recente que teve início no Nurse e que corre ao lado da viragem dos membros da banda para zonas alternativas enquanto artistas individuais. Os Sonic Youth tornam-se agora uma espécie de alívio da intelectualização.
Os encores que se seguiram sem grandes surpresas recaíram nos álbuns dos anos 80, belíssimamente com The Sprawl, Across the Breeze e sobretudo Death Valley 69, a música marada de que todos gostam.
Deu-me a sensação de que as músicas tiveram todas um ponto final. Tal como o concerto teve 3 parágrafos. Mas não foi isso que me fez fascinar com os Sonic Youth in the first place.
Alguém imagina daqui a 20 anos eles tocarem o Malibu Gas Station?