Lembro-me da primeira vez que fui a um concerto de Rock com triste nitidez. Havia a preocupação do blusão de ganga e da aparência geral de libertinagem (fui com o meu pai e algumas pessoas do trabalho dele, funcionárias de uma empresa de contabilidade em cujos escritórios se fumavam até as beatas esquecidas dos colegas o que impregnava as paredes de um cheiro a papel fumo unhas e tupper-wares perdidos): lenço na cabeça, mochila bem recheada para o que desse e viesse (no seu interior encontrar-se-iam uma sandes de fiambre e a camisa que fora usada nesse dia), t-shirt da banda e um mascar de pastilha elástica desafiante como quem diz, Agora é tempo de curtir; de abanar o capacete.
Não entendi imediatamente a causa de tamanha transformação nos que me rodeavam, mas achei interessante e tentei juntar-me à causa. Era o momento em que todas aquelas pessoas que com o tempo se haviam tornado chatíssimas mostravam que eram muito mais do que parecem no dia-a-dia e que na verdade não seria excessivo considerá-las grandes malucas, no sentido não-patológico do termo. Uma ilusão de libertação.
Do topo do Estádio de Alvalade via-se a morna sossegada noite lá fora e uma multidão cá dentro. Uma multidão de priveligiados, de grandes malucos que deviam ter mais juízo visto que amanhã era dia de trabalho mas ao invés estavam ali, a testemunhar um evento raro e certamente enriquecedor. A Cátia vestia uma t-shirt de alças branca com a cara do Mark Knopfler estampada, esbracejava lentamente, o que nos expunha uma soberba axila, vincada de suor e peles, o cigarro numa das mãos, a sweat-shirt à cintura, com os olhos fechados baloiçava a gordura abdominal a um ritmo inventado por si mas que estava convencida ser ao da Sultans of Swing, o que lhe ia na cabeça naquele momento? Era a pergunta que me fazia a mim mesmo, enquanto adormecia desconfortavelmente.
Hoje em dia sinto saber a resposta.
Estes concertos fantasma de bandas nostálgicas exploram de uma maneira obscena o vazio das vidas das pessoas, no meu entender. São a banha da cobra e a demonstração da pobreza cultural e social na qual a população está mergulhada.
3 comentários:
Em certa medida estás correcto. As pessoas a partir de uma certa idade, de modo geral, perdem o interesse de viver. E passam a ser estes momentos como um escape para as suas vidas vazias. No dia a seguir, tudo é igual...
Caro Raul
Não partilho de uma visão tão pessimista. Os AC/DC nunca engaram ninguem. Desde 1974 que são assim: puros e duros!
O facto deles e outras bandas mais antigas continuarem a ter sucesso não me preocupa. O que é preocupante é não aparecerem tantas bandas novas boas capazes de deslumbrar como os Stones, os Zeppelin ou os Beatles
Os AcDc são como uma caneca de cerveja. Servem para dar uns urros e partir vidros de carros. Substância ali não há nenhuma...
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