21 janeiro 2009

Aphrodite's Child


Que poderão ter em comum Demis Roussos e Vangelis para além de serem gregos (embora Roussos tenha nascido no Egipto), barbudos e praticamente indiferentes para a população em geral? "Não poderia estar mais desinteressado", poderiam responder muitos. O melhor é irmos por partes.
Com uma carreira de quase 40 anos a solo praticamente irrelevante, Demis Roussos há de ficar conhecido, e não de uma maneira muito nobre, pela música "Goodbye My Love, Goodbye". Por outro lado, Vangelis Papathanassiou tem mais motivos para se orgulhar. Foram da autoria do compositor bandas sonoras para filmes como "Chariots of Fire", "Blade Runner" ou "1492: Conquest of Paradise". No entanto, e juntamente com o baterista Lucas Sideras e o guitarrista Anargyros Koulouris, fizeram parte de uma das bandas psicadélicas, não anglo-saxónicas (apesar de cantarem em inglês), mais importantes, Aphrodite's Child.
O trio/quarteto (inicialmente um quarteto, a banda ficou subitamente sem o guitarrista, Anargyros "Silver" Koulouris, devido ao serviço militar grego, acabando por falhar os dois primeiros discos, voltando, apenas, para o último fôlego da banda), composto pelo vocalista Demis Roussos, Vangelis nas teclas e, o já referido, Lucas Sideras na bateria, teve o seu início em 1967, o ano conhecido como o "verão do amor", o apogeu da música psicadélica.
Um ano após a formação da banda, na esperança de ganharem estatuto internacional, Vangelis propôs a mudança para Londres. Tal como numa tragédia grega, o caminho para a fama foi tortuoso. Para além de perderem o seu guitarrista para o serviço militar, ficaram retidos em Paris devido, em parte, à dificuldade em obter vistos de trabalho em Inglaterra e, também, devido aos tumultos por que passavam os parisienses nesse mítico mês de Maio de 1968.
Presos em Paris, a banda marcou, então, o seu caminho para o sucesso ao assinarem contrato com a empresa discográfica, Mercury, tendo lançado o seu primeiro single, "Rain and tears", sendo, provavelmente, a música mais conhecida da banda.




Com o sucesso imediato deste single, especialmente em França e em mais alguns países europeus, a banda acabaria por editar, nesse mesmo ano, o seu primeiro disco de originais, "End of the World". Um álbum muito "au courant" da época, com melodias psicadélicas e sinfónicas, muito ao estilo de uns Moody Blues ou Procol Harum, seus contemporâneos. Apesar de se notar algum tolhimento nas vozes, dado não serem uma banda anglo-saxónica, o disco revela momentos deliciosos , nomeadamente "End of the World", "Mister Thomas", o single "Rain and Tears" e mais psicadélica "The Grass is no Green".




Após digressões pela europa e, conseguindo, finalmente, autorização para embarcar para inglaterra, a banda preparou-se para gravar o sucessor de "End of the World".
Gravado no Trident Studios, um dos mais famosos estúdios londrinos, "It's Five O'Clock", segundo disco de originais da banda grega é um misto de continuação e despedida do primeiro álbum. O psicadelismo deixa de ser tão evidente, passando a banda a entrar por vários caminhos: um mais pastoral, como criando uma banda sonora a vários tipos de paisagens, em "It's Five O'Clock", a relembrar "Whiter Shape of Pale" dos Procol Harum, "Annabella" ou "Marie Jolie"; outro mais folk, evidente em "Wake Up", "Take Your Time"; ou um caminho mais duro e experimental como "Let Me Love, Let Me Live" e "Funky Mary".
Para uma banda não britânica ou americana, os gregos Aphrodite's Child conseguem criar um misto entre as duas culturas, dando-lhe um toque mais mediterrânico.




Porém, e apesar da banda estar a ganhar mais estatuto e andar em digressões, o efeito "Brian Wilson" acabaria por chegar. Vangelis, cansado de tournés, começou a não acompanhar a banda, preferindo manter-se no estúdio em gravações de temas, tal como aconteceu com os Beach Boys pós "Pet Sounds". Substituído em tourné por Harris Chalkitis, Vangelis começava a realizar os seus primeiros temas para bandas sonoras, nomeadamente para "Sex Power", o filme de Henry Chapier.
Com o virar da década, o sonho colorido dos anos sessenta, especialmente da segunda metade, já se tinha esfumado. Beatles tinham se separado, o movimento Hippie começava a chegar ao fim. Manifestações pacifistas deram lugar a tumultos variados por todos os estados unidos. Começava a tornar-se outro mundo, mais agressivo e crú.
Com um terceiro disco em preparação, a banda começava a ruir, pese embora não em número, dado que, Anargyros Koulouris, guitarrista retido na Grécia para serviço militar, estava de volta. O vocalista Demis Roussos estava já preparado para encetar uma carreira a solo, lançando o single "We Shall Dance", seguindo-se o álbum "On the Greek Side of my Mind" em 1971, ainda antes do disco final da banda, "666" sair para o público.
Este disco de curioso título, ideia de Vangelis com amigo liricista, ao exemplo de Brian Wilson com Van Dyke Parks, teve como mote o bíblico "Livro das Revelações". Um Projecto que fugia de sobremaneira ao estilo anterior da banda. Um álbum conceptual sobre o apocalipse de São João como uma ópera Rock. A música complexa que Vangelis já começara a criar nos dois primeiros discos encontra o seu auge neste disco duplo. Um projecto audacioso que levou, obviamente, à ruptura da banda já que Roussos, mais interessado em continuar na mesma linha dos dois primeiros discos, uma linha mais pop e acessível, mostrava as suas intenções ao editar um projecto a solo.
"666" é uma obra conceptual e difícil de digerir, podendo tornar-se longa e esquizofrénica, no entanto, revela um poder e uma musicalidade impressionantes. "Four Horseman" é o tema mais acessível, com a voz de Roussos no seu melhor, envolvida num grande nevoeiro de instrumentos musicais. A influência em músicas dos Verve é bastante visível neste tema e em "Altamont".
O disco acabaria por apenas ser editado em 1972, após o desaparecimento da banda. Acabou por ser, como aconteceu em outros casos, como o dos Zombies com "Odessey and Oracle", o canto do cisne, porém o álbum do reconhecimento. Demis Roussos e Vangelis tiveram as carreiras já referenciadas, o guitarrista Koulouris trabalhou com ambos e o baterista Sideras tentou, também ele, uma carreira a solo, porém pouco sucedida.


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