07 junho 2010

Primavera Sound 2010 parte 03

Dia 2


Thee Oh Sees - Para quem tinha entrado no segundo dia do festival com menos expectativa, esta banda de São Francisco foi uma boa surpresa. Já bons ventos me tinham chegado acerca do grupo liderado por John Dwyer, apesar de existirem há mais de dez anos. Os Thee Oh Sees praticam uma espécie de garage rock psicadélico - ou um surf rock apunkalhado -, que apesar de consideravelmente repetitivo, não deixa que essa característica seja negativa. O espírito é esse e o concerto foi bem conseguido, cheio de sons consistentes e executados com paixão, com a mais que provável intenção de colocar as pessoas num transe frenético, cheio de suor, passe o cliché. Nice, e não em França.



Spoon - Há muitos anos que presto moderada atenção, e apenas em doses moderadas, à imprensa de música. Ainda assim, lembro-me de ver este senhor, Britt Daniel, ou a banda dele, louvado como um dos grande cantautores (um dos neologismos-vómito da nossa língua) americanos. Havia, portanto, curiosidade em ver o concerto dos Spoon, já que nunca me tinha dado ao trabalho de ouvir nada deles.

Toda a gente tem direito a ter opinião e dizer bem dos Spoon está longe de estar errado. Mas é monótono, tanto melódica como estruturalmente. E é injusto para outros compositores americanos que serão provavelmente melhores, mas não fazem o jogo das trends - e nem falo da intelligentsia nova-iorquina, essa está-se nas tintas. Isto tudo também será injusto para o Sr. Daniel, que não deve ter nada a ver com estas coisas e vai escrevendo as suas boas canções, contente por haver alguém que goste. E por aí tudo bem. Mas se os Spoon são o que mostraram no Primavera Sound, bem podiam pedir emprestada alguma estranheza aos Flaming Lips, por exemplo. A rever.



Ganglians - Entediado com a prestação dos Spoon, mas longe de odiá-la, achei mais prudente ir ver os sacrament... ianos Ganglians, de quem já conhecia musiqueta ou outra. Três semi-hippies em palco mais um grande hippie como vocalista (Ganglians of 4?) fazem uma espécie de indie pop esquizóide, algures entre Beach Boys em drogas profundas tipo Ariel Pink e calmaria Beach House mas com guitarra acústica. Tem substância, é giro e é cool (and the Ganglians). Meninas giras e esquisitas, venham ouvir. E já agora, cá a casa também.



Best Coast - Candidatos ao nome mais idiota de 2010, os Best Coast são, na verdade, uma chiquita chamada Bethany Cosentino. Mantendo a rota pop lo-fi dos Ganglians, Best Coast seriam uma boa aposta, e se calhar até foram. Só que, gravados, soam muito melhor do que ao vivo, cenário em que acabam por soar um bocado às Hole da Courtney Love. Sei que, em disco, é melhor do que as duas músicas que suportei. Não esquecer de se ir ouvir Avi Buffalo, acabado de sair.



Beach House - Esta nunca será uma recensão sobre o concerto dos Beach House, pela simples razão que era praticamente impossível ver fosse o que fosse, dado o número absurdo de miúdas giras que entupiram o recinto defronte do palco. Ou seja, se um rapaz quisesse mesmo, mesmo, ver o concerto, daria para perfurar (shame on you), mas ficamos contentes assim na mesma. Ouviu-se quatro ou cinco canções e é igual ao disco. Deu para descobrir que afinal o vocalista era uma.



Wire - Ao longo dos 40 minutos que acompanhei, os históricos pós-punk dividiram-se de várias formas. Uns parecem membros dos Sex Pistols ainda vivos, outros parecem professores de faculdade, ou apenas pessoas incomodamente inteligentes, ou hipnotistas como o Paul McKenna. O vocalista, Colin Newman, parece pelo menos três destas hipóteses.

Como confundo sempre os Wire com os Ride, e entre eles há pelo menos dez anos de diferença, esperava outra coisa. E, como habitualmente o pós-punk induz graus variantes de tédio em mim, a primeira reacção não foi a mais entusiástica. Mas a qualidade tem de ser reconhecida e, gostos aparte, foi um concerto extremamente competente e até bastante interessante, quando a banda se soltava da camisa-de-forças que são os ritmos punk à la Xutos & Pontapés. Oh yes, I went there.



Les Savy Fav - Antes de mais, tal como o vocalista Tim Harrington, há anos que estou careca de saber que os Les Savy Fav são grandes em disco. E ao vivo ainda são maiores. Depois de prestações inesperadas no dia anterior, o barbudo gorducho estava já a rockar histericamente com os restantes membros do grupo quando comecei a vê-los. Assim continuaram por mais uma ou duas músicas, até que a curiosidade me fez ir ver Japandroids. Ainda regressei para três ou quatro canções, já com um Tim no chão, a cantar, dançar e outros verbos acabados em "ar" de calções demasiado curtos, com o público absolutamente fora de si.

A opinião comum e, por aquilo que vi, a minha também, com Pavement, Tortoise e Shellac, o melhor concerto do festival.



Japandroids - Enganam-se aqueles que pensam que ir ver Japandroids foi uma má escolha estratégica. Les Savy Fav pode ter sido incrível, mas Japandroids andou lá perto. Sem serem muito parecidos, a fofinha dupla canadiana faz lembrar outros conterrâneos, chamados Death From Above 1979; menos brilhantes e revolucionários, é certo, mas capturam uma certa urgência catastrófica, e até um bocado niilista, com uma bateria, guitarra e vozes, neste garage lo-fi a dois.

Naturalmente surpreendidos com as quase duas mil pessoas presentes (digo eu), ainda para mais com a quantidade de mãos no ar e cânticos de quem sabia as letras de cor, a banda estava visivelmente empolgada pelos números, provavelmente habituada a tocar em salas para sete pessoas. Foi com pena para a banda e para o público, que os Japandroids tiveram de sair do palco. Excelente concerto em qualquer parte do mundo.



The Dallas Guild - Não há muito a dizer acerca desta banda britânica, aparentemente liderada por um espanhol, cabezas-del-cartaz no palco Adidas. Vi-os por acaso, enquanto descansava entre Les Savy Fav/Japandroids e Shellac, que se previa intenso. Bom indie de raízes nos 90s, vocalista com sotaque tolerável e até irrelevante (bom sinal), escolha de sons e desempenho competente. Com um senão: se alguma vez pensaram que fazer indie rock com mellotron era boa ideia (excepto quando é espaçado e introvertido como algumas coisas de Radiohead), ainda não foram os Dallas Guild a mostrar como se faz.

http://www.myspace.com/thedallasguild

Shellac - Sei de fonte segura que a prestação dos Shellac do ano passado não foi tão boa como a de 2010. Já quanto a 2008 não sei, mas o trio costuma marcar o ponto no Primavera Sound. Para quem não conhece os Shellac, são o projecto predilecto do lendário produtor Steve Albini com o baixista Bob Weston e o tresloucado baterista Todd Trainer. Albini, para os mais esquecidos, ficou mais conhecido para o mundo como produtor do In Utero dos Nirvana e do Surfer Rosa dos Pixies e, para mim, do primeiro álbum de Jon Spencer Blues Explosion, mas a lista de coisas awesome que ele já produziu é gigantesca (tenho de mencionar Helmet, Man or Astroman?, Melt Banana, Jesus Lizard, Superchunk, Don Caballero e, sim, Jimmy Page & Robert Plant).

O concerto de Shellac foi tão, tão, tão fixe. Para um no-waver (indie e prog também, é certo) como eu, os Shellac são um prazer. Ao alinhamento não faltaram as mais populares - ataque de tosse incluído - Squirrel Song, My Black Ass, Prayer to God, Steady As She Goes, Crow. Pessoalmente, gosto mais quando se afastam das raízes directas do punk e se tornam mais complicados, mas não tenho grande razão de queixa.

Não faltou ainda a pièce de résistance que é The End of Radio, uma elegia pré-lutuosa e épica com 10 minutos em modo de mensagem final, durante a qual Trainer se passeou à vontade pelo palco com a tarola enquanto atirava baquetas aleatoriamente para o público. Qual é a diferença entre isto e o bater-no-prato-com-strobes dos The xx? Isto parece genuíno, sabe a genuíno, altera-se consoante a sensação e sensibilidade do artista e varia com cada actuação. Não faltou o habitual momento de perguntas do público. Citando Weston, "Why was I watching Superchunk last night? Because they're awesome". Uma colher cheia de fixeza.

Uma nota final para dizer que foi com alguma pena, mas também com alguma satisfação, que vi o recinto cheio no início do concerto; à quinta música, mais de metade das pessoas tinha ido embora. É que os Shellac são uma banda difícil. Não é que eu não queira que os Shellac se popularizem, ainda que isso seja impossível de acontecer - mas gosto que o Primavera se mantenha um evento indie, no qual as sensibilidades fora do mainstream se sobreponham ao festival como passeio trendy (o que também tem aspectos positivos, note-se). Por tudo isto, é bom que os Shellac mantenham este lugar cativo.



King Khan & the BBQ Crew - Concerto histérico de King Khan na guitarra e vozes, um indo-canadiano visivelmente alterado e vestido de guerreiro zulu, com BBQ (Mark Sultan), baterista e outras coisas de turbante. Lo-fi de raízes punk com rock n'roll retro e feito na garage, como uma espécie de The Gories acelerados. Divertido, mas esquecível - um daqueles concertos em que o desempenho em palco não é tão importante como a festa que provoca.



Yeasayer - Confesso que não era com grandes esperanças que encarava o concerto de Yeasayer. Não tinha nada que me interessasse muito na hora ou duas antes de ter de ir embora, mas os nova-iorquinos ainda me punham curioso. Não sendo particular apreciador, não detesto os Yeasayer. Respeito o experimentalismo deles. Por outro lado, também me parece que fazem parte daquele grupo selecto de bandas que caiu na moda e é apreciada por pessoas sem muita respeitabilidade no que toca ao reconhecimento de excelência na música. Mas também é apreciada por aqueles que a têm, e é isso que me intriga. Mais ainda, acho que fazem parte do grupo de bandas indie populares que se esquecem que é salutar ter melodias fortes de vez em quando, para além dos singles. Enfim, as bandas são o que são e o experimentalismo não vai funcionar sempre.

A verdade é que o concerto de Yeasayer é daqueles cuja relevância está no público. Ou seja, é muito bom se adorarmos a banda - ou se for a nossa banda favorita quando só conhecemos um single -, mas um concerto entediante se a música não nos disser nada de antemão. Tal como muitos dos seus pares indie da actualidade, para não citar nomes, os Yeasayer executam as coisas talvez bem de mais. O som sai imaculado ao ponto de causar desconforto e não há grande espaço para a improvisação ou qualquer coisa fora da rota já traçada. É arrumadinho. E isso vai apelar a um tipo concreto de pessoa - não que haja nada de mal com isso.



E mais não vi. Tinha de sair para o aeroporto de Prat de Llobregat ainda de madrugada. Mas o Primavera Sound tinha lugar neste que também é um blog indie. Agora vou beber a minha deliciosa Coca-Cola.

1 comentário:

Alex disse...

Fixe. Este primavera tinha um dos melhores cartazes dos festivais de verão de 2010, sem dúvida e é com muito agrado que vejo aqui no altamont uma análise ao mesmo!

Nice done OQE1BLOG!