Bis - Os Bis são uma banda de culto que, aparentemente, deixou marcas nas pessoas. Eu fui uma delas. Desde 1994 que estes escoceses de Glasgow faziam uma mistura incomum de punk com pop e uma forte influência de manga e... doces. Mais tarde, viraram-se mais para ritmos disco, com reflexo mais ou menos evidente nos Franz Ferdinand (e, por conseguinte, milhares de outras bandas) - de que é bom exemplo o quasi-êxito Eurodisco. Ficaram ainda conhecidos por produzirem as suas próprias zines, nas quais os membros Steven, Amanda e John apareciam como heróis de banda-desenhada. Original, no mínimo. O Primavera aproveitou a reunião da banda após sete anos de hiato e pôs os Bis a abrir o primeiro dia. Este é daquele tipo de banda que estava no limiar entre a viabilidade numa label, por mais pequena que fosse, e a inviabilidade. E o advento da Internet possibilitou a recuperação dos Bis, uma das melhores bandas do mundo, de entre as que quase ninguém cantou.
Os Bis estavam genuinamente contentes por estar ali. Não vi o set inteiro, mas pareceu-me que a banda se inclinou mais para aquilo em que o indie rock se tornou ao longo dos tempos, do que focar-se nas canções mais rockadas como This Is Fake D.I.Y. e Sweet Shop Avengerz, que eu gosto mais. Mas valeu a pena e soube bem ver aquele sabor a 90s mais uma vez. E há uma grande satisfação em vê-los de volta. E houve a Starbright Boy.
The Wave Pictures - Não vi muitas canções deste trio inglês, confesso. Enquanto que a qualidade está lá, não é bem o meu estilo de coisa. Acho que para qualquer pessoa que toca guitarra há mais de cinco anos, esta banda tem potencial para se tornar aborrecida.
The Fall - É sempre com antecipação que se vê os The Fall e o líder talvez mais fixe da História do rock, Mark E. Smith. Imagino eu, porque nunca os tinha visto antes. Ora, ainda que possa estar a cometer aqui uma heresia, e mesmo que tenha prestado já bastante tempo aos discos deles, e mesmo que ache o Sr. Smith um poeta fenomenal, sempre achei os The Fall uma seca descomunal - excepção feita para a delícia que é o Hex Induction Hour. Em cada música, um poema, em cada música, um loop em trânse durante 7 minutos; foi divertido ver o desdentado e barrigudo Mark E. Smith a berrar coisas interessantes mas incompreensíveis para dentro do microfone, enquanto os músicos da temporada iam acompanhando. Terá sido muito emocionante, mas fartei-me após três músicas.
Circulatory System - Os Circulatory System são o veículo de Will Cullen Hart, dos notáveis Olivia Tremor Control, da também notável editora Elephant 6. Foi um concerto bom, agradável ainda que com uma formação de cinco, para uma banda que estava habituada a imensa gente em palco. Terão tocado a maioria do set baseados no disco do ano passado, que continua a explorar rock mais psicadélico e com vasta influência de Brian Wilson.
The xx - Não sou grande fã dos xx. Admito que seja uma coisa emocional, consideravelmente bonita e até com o potencial de ser profundamente íntima. Compreendo o que uma banda como esta pode fazer. Contudo, nunca os achei terrivelmente interessantes, tirando a tal Crystalized, a única que acho realmente conseguida.
O concerto nunca poderia ser muito longo, até porque eles ainda só têm um disco e não são ávidos improvisadores. Funciona ao vivo? Se aquela gente toda (procurem a outra versão de Crystalized no YouTube se quiserem ter ideia) se manteve silenciosa durante tanto tempo, então sim. Mas, para um não-entusiasta como eu, tornou-se bastante monótono. Não fui o único. Ou seja, para quem gosta, deve ser realmente tocante - mas os xx não me converteram.
Uma pequena nota ainda para a última música. No final, Oliver Sim deixa o baixo, pega em baquetas e, com espectacularidade e acompanhado de luzes strobe e fumo, bate solemente num prato, sozinho, no meio do palco. Quem sabe tocar instrumentos percebe que aquilo não é nada de especial, mas que impressiona quem não compreende música a esse nível, e que parece mostrar grande proficiência e capacidade de improviso. Não mostra. Este problema é revelador e não é nada bom sinal. Ou seja, detrás da sofreguidão toda, há sinais de algum calculismo, o que até pode ser fixe se for auto-irónico - e não há ironia nos xx.
Mas, para alguém que não gosta muito dos xx, assisti ao concerto todo, e isso deve querer dizer alguma coisa.
Superchunk - Mais outra banda histórica que apenas tem editado EPs nos últimos anos e que regressou este ano em força. Infelizmente, e como não dá para ver tudo no Primavera Sound e Tortoise estava quase a começar, vi apenas duas ou três canções dos norte-americanos. Estava muita gente a ver os Superchunk, o que se regista com agrado, porque eles bem merecem e já não era sem tempo. Entre a pressa e as cabeças à minha frente, terei apanhado dois dos momentos-chave da actuação: quando a eles se juntou esse louco chamado Tim Harrington dos Les Savy Fav, e a grande Water Wings (não é este vídeo).
Tortoise - Há quantos anos é que os Tortoise fazem álbuns de boca cheia? Não me lembro, vou ver ao Wikipedia. Ok, já voltei. Há 16. O grupo existe desde 1990 e editou o primeiro álbum, homónimo, quatro anos depois. Mesmo com a fasquia tão elevada, os Tortoise saltaram por cima como se fossem o Sergey Bubka: TNT, Millions Now Living Will Never Die, Standards.
Falar dos Tortoise, liderados pelo talentosíssimo John McEntire, até por já terem actuado em Montreux (e não na parte rock do cartaz), é falar de uma banda jazz. É falar de uma banda indie. Uma banda progressiva. Uma banda experimental. Uma banda que, no fundo, inventou o pós-rock, mais tarde celebrizado pelos Sigur Rós. Um género que, contudo, caiu em vícios monótonos que os Tortoise, felizmente, não têm.
O concerto foi incrível. É pena que não haja ainda muitos exemplos no YouTube. Para uma banda com tantos anos e num festival com tanta qualidade, é incrível como os Tortoise conseguem manter-se entre os mais frescos e surpreendentes. E, apesar de não haver ainda provas em vídeo para postar aqui (o que há online tem-no atrás das teclas), John McEntire é dos melhores bateristas da actualidade. Impressionante.
Adivinhem quem ficou com saudades e vai tirar o pó à discografia?
The Big Pink - Esta é uma banda de que não gosto nada. São os Kasabian, o que seria bom, numa versão mais chav e chungosa e má, o que é, claro, mau. Big Pink, I poop on you. Foi por mero acaso que vi o início do concerto no Primavera. Devo ter visto três minutos ao todo, quando subiram ao palco, mas a entrada, pelo menos, pareceu-me muito melhor do que aquilo que conheço deles. E é só por isso que ponho aqui um vídeo. Por outro lado, como a única coisa com qualidade que se encontra deles é a Dominos, vejo-me obrigado a postar isso. Dominos é uma canção da piça.
Pavement - Não vou dar lições de História em relação aos Pavement. Ficaríamos aqui o resto do dia. Mas é importante dizer que, quando deram o último concerto em 1999, na Brixton Academy em Londres - existe registo em DVD, algemas no microfone e tudo -, as coisas estavam azedas entre o vocalista e compositor principal Stephen Malkmus e o resto da banda. Resultado? Malkmus seguiu em frente com discos geniais e o resto da banda continuou a trabalhar noutros projectos com menor relevância. Mas por óptimos que os discos fossem, os trabalhos dos Pavement não têm comparação. É, para mim e para muitos, a melhor banda da História do mundo e do rock e de sempre for ever and ever, sem itálico. Por razões diferentes, eles e os King Crimson. Nada mau, hein?
Chegamos ao ano de 2009 e ouço inesperadamente que uma amiga tinha acabado de comprar bilhetes para uma reunião dos Pavement em Nova Iorque em Setembro deste ano, a um ano de distância. Boato, certamente, como muitos outros. Nada disso. O mais inteligente seria comprar também e foi o que fiz. Esgotaram online em quatro horas. Mas, como Nova Iorque ainda fica longe e nunca se sabe, e como entretanto marcaram uma digressão mundial, o Primavera Sound colocou-se como uma óptima primeira escolha.
Nem três minutos da banda anterior me afectaram, nervoso que estava por querer um bom lugar. A meia hora do início do concerto, não havia praticamente ninguém à frente do palco. A vinte minutos, quando cheguei, já só consegui ficar a uns 30 metros do palco, à frente do lado do Malkmus. A banda entra, só sorrisos e piadas. Bastou o início da Cut Your Hair, o mais popular semi-êxito dos Pavement, para o entusiasmo rebentar. Dizem que foi o concerto com mais gente no festival inteiro. Eu não sei, não conseguia ver para trás.
Assim se formou imediatamente um mosh e eu, felizmente, que me infiltrei alegremente para tentar chegar à frente, cheguei às primeiras filas. Agora à direita, de frente para Scott Kannberg, era o melhor sítio, até porque SM toca de frente para a banda e, desta forma, de frente para mim também. A partir da Rattled By The Rush, foi visão perfeita e costas em papa, mas costas em papa felizes. E não admira, com este alinhamento:
Cut Your Hair / Trigger Cut / Rattled By The Rush / Father To A Sister Of Thought / In The Mouth A Desert / Kennel District / Grounded / Silent Kid / Ell Ess Two / Spit On A Stranger / Unfair / Starlings Of The Slipstream / Fight This Generation / We Dance / Conduit For Sale! / The Hexx / Here / Stereo / Two States / Range Life // Gold Soundz / Shady Lane / Stop Breathin’
Dificilmente escolheria um alinhamento melhor que este, só faltando talvez ali uma Frontwards - mas estaria a ser picuínhas. Os Pavement foram aonde tinham de ir e Stephen Malkmus continua a fazer os alinhamentos com meras horas de antecedência. Nota-se e sabe a fresco. Podemos ir à net ver as setlists dos concertos anteriores à vontade, que não é isso que vamos ouvir.
Mesmo assim, foi uma escolha equilibrada entre os discos, os singles e as cantadas por Kannberg, mas com pouca relevância para o último disco - a versão escolhida para The Hexx foi a de 1997, a pesada (e a que tem letra mais gira). E um concerto que acabe com Stop Breathin', tocado pelos Pavement, é perfeito. Qualquer uma das canções, noutro concerto e interpretadas desta forma, seriam sempre um momento alto. Este concerto foi feito apenas de momentos altos. Como disse a Pitchfork, que de vez em quando se lembra de ter toda a razão, este não foi só um concerto, nem só motivado pelo dinheiro de uma reunião - foi um love affair.
Com muitos dos músicos do festival a ver o concerto em palco (lá estava de novo Tim Harrington), cientes do momento memorável que era, as participações não faltaram, como os Monotonix a dançar a We Dance com Bob Nastanovich e Kevin Drew dos Broken Social Scene a cantar o refrão da Kennel District. A nível de curiosidade, mais para o final do concerto, Kannberg decidiu descer e tentar fazer crowd surfing. E eu sei, porque tentei sozinho segurar num americano de 120 quilos, sem ajudas. Como naturalmente não consegui, ficou a tocar sentado na grade à minha frente. Posso ter segurado no rabo de outro homem, mas como são os Pavement, não faz mal.
A banda esteve em forma, talvez como nunca esteve. Não diria que estão profissionalmente melhores - isso nunca importou nos Pavement. Estão a tocar com mais ou menos a mesma destreza e tightness que em 1999, com uma diferença: agora lembram-se que gostam uns dos outros e, principalmente, da música. Portanto, uma coisa que era incrível mesmo com 30 a 50 por cento de entrega, agora é amor puro.
Uma pessoa pode olhar para a cara do Stephen Malkmus e achar que está a fazer um verdadeiro frete. Garanto que não; é apenas a postura enfadada e birrenta que lhe dá tanta graça. Os Pavement - todos eles - foram honestos e estavam felizes. E a felicidade deles é a nossa.
Nota: no dia seguinte conheci o baterista Steve West e ele confirmou-me, "Yep, that was a great one..."
Fuck Buttons - O cansaço àquela hora já era imenso. Mesmo assim, ouvi grande parte do concerto de Fuck Buttons, sem a atenção devida, admito. É capaz de ser muito mais interessante do que aquilo que me pareceu. Um homem não é o mesmo com os pés a ferver e, apesar de não ter visto montes de bandas que gostaria de ver (Mission of Burma, Sleigh Bells, Moderat, Delorean, Wild Beasts, etc.), naquele momento, já pouco importava.
1 comentário:
gostei muito do texto. também estive lá e foi fabuloso. pena que não tenhas estado no 3º dia que, na minha opinião, foi o melhor. também porque consegui chegar mais cedo, menos cansada e ver mais concertos. do festival, só me arrependo de uma escolha: para ver pixies perdi outras coisas que teriam certamente sido bem melhores. é a 3ª vez que os vejo e jurei para nunca mais. já não há nada ali. nem nostalgia, nem emoção, nada.
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