25 janeiro 2010

Palavras ao Ouvido #1- "A Beast For Thee" - Bonnie "Prince" Billy



De frente, parecia um daqueles anões de decorar mansões tristes. Não que o dia fosse curto e a paciência dos meus olhos infinita. Não que me tivesse pedido um monossílabo ou uma manta. Era possível que só tivesse chovido na noite anterior. Ou, apenas alguém tivesse imaginado, como um atrasado mental bem vestido, que ambos tomavam chá num celeiro digno e religioso, coberto por um tempo que nem era o deles. Vá-se lá a ver.

Quase sempre no final das tempestades, o último fôlego nas árvores é não mais do que uma música. O seu ritmo, dedilhado; o céu, o teu. Nesse ritmo há sempre um espaço proporcionado pela animalidade da água. Pensei nisto. A água era bonita porque descartava a sua parte precavida e só tinha o que era de rir: a violência.

Seja como for, não podia ser outra a explicação da ligeira luz que agora iluminava o lado direito da sua fronte.

Mas não. Não era da luz. A língua tinha apenas pouco tento e corria, uma a uma, as ideias que a tarde nos trazia. Que animais nos faziam companhia, havia pouca ideia. Um cavalo desgastado, um porco, um pato talvez.

“Ninguém pediu para gostar de ninguém”. Falávamos de trazer uma cama do sótão para que a humidade destruísse apenas os objectos mais pequenos.

Ou melhor, havia um ruído da madeira que nos sugeria o peso da cama na extremidade dos dedos, a pressão do sangue a querer escapar.

Descontente, falei-lhe da felicidade. E da necessidade do indefinidamente e do infinitamente serem.

Respondeu-me que, nem por um momento, pusera essa hipótese. E meneava a cabeça, sempre sorrindo. Era um anão gentil, a cruzar e a descruzar as pernas.
A cama era grande, com dobras na madeira e verniz barato. Vitoriana que se fartava. Eu acho que pedi fogo quando pensava no alcance de me sorrirem assim.
Ela não me quis as palavras, mas, como Deus, não suportava ”lições de inimizade”.

Cheguei ao fim do chá e não tinha mais nada marcado para aquele dia. O bigode doía-me de tão mal feito.

Calcei as botas com o peso das palavras gentis que a partir daquele momento seriam as nossas vidas.

Sem um vestígio de água matreira, fogo, ou “Deus” (ao menos), saí do celeiro. Um pássaro tinha acabado de pousar numa árvore de fruto, assim verde, em que nunca tinha reparado.

Ou talvez nem fosse um pássaro.

2 comentários:

ico costa disse...

mas é suposto esta música piegas ser a banda sonora para este texto maravilhoso?
é que carlos, para mim esta parece mais ser a banda sonora para toda uma manhã a fazer-te festinhas no cabelo.
mas isso sou eu...

Carlos Natálio disse...

Caro, a música desperta os mais díspares impulsos nas mais variadas pessoas.

O meu cabelo é que não acha muita piada a dedos grossos e vozes roucas.