Quando deixa a música de ser som para passar a ser apenas ruído abstracto? A música, tal como qualquer outra área do desenvolvimento intelectual humano, não tem que ser nuclear. Aliás, o conceito de núcleo tem forçosamente que subentender a existência de arredores, sejam eles físicos, ideológicos ou quiçá meramente estéticos. Estar à margem, por opção ou por vulnerabilidade circunstancial, é igualmente uma forma racional de existência.
Mas se quisermos ser ligeiramente mais objectivos, tomemos como paradigma a Ciência (longe das crenças e dos teísmos). Os termos Ciência Central, Ciência Periférica e Ciência Marginal surgiram há relativamente pouco tempo na história da humanidade, e só fazem sentido quando se discute a ciência da Idade Moderna. Antes dos finais do século 15 não havia ciência central, ou hegemónica, no mundo. A ciência europeia, assim como a chinesa, a árabe, a indiana e outras, não encerravam entre si relações hierárquicas definidas. O aparecimento de uma ciência central, abrangente e excludente, é um fenómeno que coincide com a expansão colonial europeia decorrente das navegações dos séculos 15 e 16. A ciência e a técnica passaram então a ser instrumentos centrais nesse processo de luta pela hegemonia no mundo, a partir daí pela primeira vez globalizado. Uma vez instalado o paradigma de uma ciência central, o que dele não fizer parte será periférico ou marginal.
Assim funcionam as coisas na generalidade. Na moda, na alimentação, na linguagem e, obviamente, na música. Os cânones sobrevivem às mais diversas variações, sem perderem a vitalidade de uma regra indestrutível. E o que resta dessa empedernida segurança? Se não, nada nem ninguém avançaria para além das muralhas invisíveis das convenções formais. Há sempre quem se atreva. Quem queira percorrer longas caminhadas de isolamento: os peregrinos aventureiros. O resultado, esse pode ser tão disforme quanto a proveniência das inspirações. Do jazz à electrónica, através do vanguardismo e do rock, com passagem no ambiental ou na pop, a música periférica pode ser acessível ou por vezes difícil. Mas nunca deve perder o seu principal objectivo. Ser música.
"Periferia" é assim uma rubrica com caractér discursivo a longo prazo, com referências diversas e uma vontade insurgente de dissecar as "boas" marginalidades da música, enquanto manifestação artística-conceptual e/ou pragmática. É este o ponto de partida. O resto depois logo se ouve...
1 comentário:
grande artigo. obrigada.
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