08 janeiro 2010

"uns sons esquisitos"

Comecei a participar na introdução de snippets no Altamont que julgo terem sido bem recebidos. O objectivo até agora tem sido mostrar uma espécie de alternativa musical ao pop/rock que é geralmente explorado neste blog, apesar da primeira música deste último snippet seja justamente uma obra-prima do pop-rock: uma quase-provocacão do Jim O'Rourke, músico extraordinário (um dos mais influentes da actualidade) que um dia decidiu mostrar ao mundo que, do mesmo modo que tanto se pode ouvir Stockhausen como Beatles, é possivel, sem grandes pudores, construir melodias pop de manhã e elaborar peças de electronica abstracta pela noitinha.
Mas achei curiosa a observaçao duma amiga minha, S., em relacão ao primeiro aqui introduzido (peças dos compositores Tim Hecker, William Basinski, Steve Reich, Stars of the Lid):

Cheguei ao trabalho, sentei-me à secretaria, abri uma gaveta, afiei dois lápis, abri o computador, fui ao Altamont, cliquei no play do teu snippet e nos primeiros momentos não dei por nada. Depois comecei a ouvir uns sons esquisitos que nem sabia que vinham do blog, senti-me dentro dum aquário com peixinhos a gemer. Meti logo na Radar outra vez. Raul, que merda foi aquela???

Na altura em que S. me dizia isto, girava um vinil de Hawkwind e a malta mastigava uma bolonhesa de características excepcionais enquanto conversas animadas se iam desenrolando a um ritmo aceitável. A dada altura reparei que a camisa de F. tinha exactamente o mesmo padrão que a toalha da mesa. B. pediu um pouco mais de esparguete ao fim de uns meros 5 minutos de refeição. R. rejeitou a salada por ter sal em excesso. L. disse que tinha pouco sal para o seu gosto. S. concordou. F. não exprimiu a sua opinião em relação a este assunto. D. disse que estava frio e perguntou pelo aquecedor. B. empurrou o aquecedor para ao pé de D. E o disco dos Hawkwind por detrás a girar (mas alguém o escutava?).

Tal como esta minha amiga nao abdica da musica como elemento decorativo do seu ambiente de trabalho, escutando-a enquanto aldraba análises ambientais que possibilitem mais uma obra de engenharia civil de notável fealdade, muitos de nos aprendemos a ouvir assim as diversas melodias, disponíveis hoje como nunca. Ouvimos música no carro, entrecortada por apresentadores de rádio parvos e anuncios idiotas, ouvimos música enquanto jantamos, ouvimos música enquanto trabalhamos ou jogamos championship manager, enquanto estudamos uma matéria ou até mesmo enquanto fodemos ou nos casamos. Há até condomínios na Expo que - luxo dos luxos - têm música (erroneamente) dita ambiente nos corredores e elevadores.

O comentário de S. fez-me relembrar as palavras de John Cage:

...music isn’t useful, music isn’t, unless it develops our powers of audition. But most musicians can’t hear a single sound, they listen only to the relationship between two or more sounds. Music for them has nothing to do with their powers of audition, but only to do with their powers of observing relationships. In order to do this, they have to ignore all the crying babies, fire engines, telephone bells, coughs, that happen to occur during their auditions. Actually, if you run into people who are really interested in hearing sounds, you’re apt to find them fascinated by the quiet ones. “Did you hear that?” they will say.



7 comentários:

Cisto disse...

"If something is boring after two minutes, try it for four. If still boring, then eight. Then sixteen. Then thirty-two. Eventually one discovers that it is not boring at all." --John Cage.

D. Samira disse...

lololol

Adorei como construíste todo este cenário quase dantesco! desde o afiar de lápis, ao sal na salada, ao trabalho que (não) faço!! Fantástico! digno de um escritor! :D

E realmente não ouvi..estava embrenhada noutras tarefas é um facto :) mas não julguei a qualidade de nada..apenas descrevi a sensação que me deu, que concordo, demasiado subvertida pela envolvente de supostas obras de construção civil :D

Ass. Nemo S.
;P

Alex disse...

E eu? Também estava lá, apesar de omisso na tua descrição! E assumo que fui, mal cheguei, espreitar o que estava a dar na vitrola do F. Diria apenas q o timing não foi o melhor para se ouvir o disco, havia muitas distracções sonoras, nomeadamente a chegada de pessoas. Mas ouviu-se com ouvidos muita música boa nessa noite!

Cisto disse...

Mas rapaziada, não se sintam culpados de nada. Não era essa a minha mensagem. Éne são as vezes em que isso me acontece. Não aponto dedos a ninguém!
Quanto às iniciais utilizadas no texto não dizem respeito a ninguém em especial uma vez que a história aqui descrita é pura parábola ficcional; não tem nada de documental, pelo que não sei do que esta D Samira tá aqui a dizer...

D. Samira disse...

A D. Samira é louca sofre do síndrome da perseguição :D

BEIJOSSSSSSSSS

frederico disse...

Onde andava o I.?

ico costa disse...

o i. estava afagando o pêlo a um rapazinho e a dizer anda cá anda cá que eu