30 janeiro 2010

Palavras ao Ouvido #2- "Fall From a Height"- The Honeydrips



Roberto, atento, de joelhos, meteu a mão ao bolso e encontrou uma surpresa. Roberta, jazia romântica com o nariz colado a uma moeda escura. Ela, atenta aos micróbios do passado, passou a mão no seu próprio bolso e encontrou uma surpresa. Roberto, caído por entre os talões de desconto, parecia o fim de tudo.

Roberta amava-o e guardou-o no coração direito pouco depois de chegar à cidade: para que ninguém comentasse; para que ninguém lhe visse os joelhos esfolados. Tinha-se ferido a colher um gato indefeso do cimo de uma duna. Nem é que Roberto fosse amável ou gostasse de bichos. Os animais apoderavam-se da sua natureza por uma questão de diplomacia ou filhadaputice, não sabia bem.

Roberta era prostituta. Roberta também subia às árvores. Ela achava que aquela cidade era o início de tudo. Leilões, edifícios espelhados e aperitivos baratos. Precisava de pouco mais. Depois da queda do nacional-socialismo era lixado encontrar um sítio para passear sem ser incomodado. As luzes eléctricas dos carrosséis poluíam tudo e nenhum cliente se aproximava mais do que da berma do passeio.

Roberta nem sempre fora a irmã de Roberto. Houve anos em que só partilharam a ideologia do sangue e bolsos à espera de se romperem.

Em Verões inesquecíveis, bateram com a cabeça por caírem de sítios rasos. Comiam raramente outras coisas que não salada de pepino. Era bonita a visão do amor depois do nacional-socialismo. Ele, com vergonha de tudo, escondia-se no bolso dela quando lhe pediam que falasse alto. Tinha falado alto uma vez numa cabana e houve mortos. Roberta, escondia-se por razões menos prosaicas, uma dívida, um acesso de espirros ou o sono.

Roberto, a surpresa de Roberta, e Roberta, a surpresa de Roberto, amavam-se como uma guerra que se acabasse.

“Como será a neve a cair sobre uma duna?”, pensou Roberta, pensou Roberto. E foi dessa vez, em que os discursos até cá por dentro fizeram amor que tudo começou. Ao início era tudo tão excitante como lamber uma faca. Mas à medida que os dedos dos pés iam inchando, Roberta, e porque não dizê-lo Roberto, sofriam o revés da amizade. Eram irmãos, fodiam-se, e os anos caíam-lhes como moedas em slot machines.

Roberta trabalhava num bar quando a semana acabava. Era no canto esquerdo do balcão, com um copo encarnado e um vinho encarnado, que geria o seu negócio. Os oficiais de sarja verde pedem-lhe com o dedo indicador que viesse. Ela vem e rodopia, em ritmos implacáveis, na sala mal iluminada. Falam de alegria, do terem filhos em casa que não querem que morram, de dormir no tapete até tarde; ocasionalmente referem a palavra carinho. Roberto fica durante horas na mesma posição. A seguinte: as duas mãos seguram junto à sua cabeça o peso do corpo. Agarra-se ao bolso do casaco de Roberta que está desde o início da noite do fim da semana no cabide. É daí que vê Roberta a trabalhar. E é por isso que Roberto já sabe que quando passa a guerra, carinho é foder. Para toda a gente.

Como é bom de ver, quando a guerra acabar ou a cidade acabar, instaurando a sua paz pestilenta nos barris de farinha e no cabelo das senhoras, Roberta e Roberto deixarão de ir a todo o lado, os dois. As calças estarão gastas e a falta de aspirações profissionais matá-los-á.

Cairão pela última vez do mesmo sítio para o mesmo sítio. Nesse dia, em que já não nadarão numa piscina cheia de destroços de carros e outras porcarias, um néon amarelo, no último andar de uma cidade desaparecida, vai acender-se. O néon dirá “schicksal”.

O néon mentiu.

2 comentários:

Unknown disse...

Jim Stark: You can wake up now, the universe has ended.

Anónimo disse...

Gosto de sarja.

P.