27 fevereiro 2010

Palavras ao Ouvido #3 - "Lake Song/New Ceremonial Music for Moms" - Akron Family





Para a esquerda havia três passos que não podiam ter sido.
Se foram? Foram.

Perdeu-se. E foi logo rodopiar numa espécie de verde. E de repente já estar a correr. Não se chamava assim o amor pela velocidade?

Casas de trigo enlameadas, esteiras de insectos sexuais, túneis com as luzes escarninhas ao fundo, com a selva em clichet. Um, dois, três, ao menos que se cantasse o desnorte, as possibilidades do espaço a ser o dele por fracções de segundo.

“E se fosse agora?; e se agora é de vez?; e se agora é ali?”
Mas não o ia sendo, pelo menos não na palha amontoada na Virgem. Muito menos no buraquinho da árvore, dos esquilos, dos répteis, dos tristes, dos homens, dos Homens.

Menos claridade e uma minhoca: eis o paradoxo da sua alimentação.
Uma linguagem densa encerrava-se sobre as paredes. Quais paredes? As paredes da sua insignificância, de um mundo que comportava ora um sentimento gigante ora um paradoxo alimentício.

Havia pouca reza ou frases para além das patas a caminhar numa sucessão de números. Sempre a suportar o peso de uma fuga. Ou de uma busca? Ou de ambas? Sempre a carregar uma certeza, uma saudade, uma segurança de penas bravas.
Houve momentos em que olhos formiga se aproximavam vindos de um atalho indecente qualquer e o chamavam. E nesses apelos impossíveis, ponderava viver assim, numa planície de flores carbonizadas ou para sempre apaixonado por debaixo de um plátano.

Bolsas de lama de um castanho claro, pintavam, contudo, nesses instantes, uma certeza xamanística. Por ali, foi indo. Por ali, chegou a ir por breves milénios. Pelo menos foi o que lhe pareceu.

Tudo num raio de distância era escuro ao ponto de saber que de abismos se tratavam. Sustia o pensamento ou a respiração na esperança de ouvir qualquer coisa que o tranquilizasse.
Nunca ouviu nada de jeito e havia feridas no peito que eram as feridas nas patas que eram o bálsamo de mais um dia quase a chegar ao fim.

Alguém sorria aos berros desde um espaço novo: que deixasse o verde e que abraçasse repentinamente essa noite que mais já não era do que sons e gravetos a cair sobre os próprios troncos.




E quando o pato atravessou o último arbusto chegou finalmente. Era uma piscina e nela duas toucas com duas crianças tinham-se divertido para passar o tempo. A sua mãe estava morta porque havia uma mosca valente pousada no seu olho esquerdo. Toda remendo, como um colchão velho, embelezava o canto mais belo, onde a água ainda era azul clara por causa dos últimos raios de sol.

Mas só tinha sede.
E então bebeu água.

1 comentário:

joana camara disse...

A tendência para a enumeração gradativa, bem como o ténuo fio de abstracção que levemente cobre a sólida narrativa demosntram (adoptando a adjectivação de Genette) quão "bonito e mimoso" é o autor deste texto. Senti-me uma patinha da escrita a percorrer estas palavras... Muito bem conseguido!